sábado, 12 de março de 2011

Facções Espíritas

sábado, 12 de março de 2011

Jamierson Oliveira

Revista Defesa da Fé

Unidade é a palavra de ordem de quase todos os movimentos, sejam políticos, sociais ou religiosos. Um exemplo desse esforço gigantesco por união é o cenário político brasileiro atual. Quem sempre foi oposição, agora é situação, e vice-versa, gerando conflitos internos e divergências jamais esperados, inclusive quanto às "doutrinas" básicas e ideológicas que nortearam tais partidos ao longo das décadas.

O Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo, trava a maior luta interna da sua história, tendo de expulsar antigos correligionários que, agora, ameaçam organizar-se em novas legendas "fiéis" aos antigos paradigmas. Pelo menos crêem assim.

Da mesma forma, os fundadores ou lideres de seitas preocuparam-se ao máximo para conseguir manter seus seguidores unidos. Alguns conseguiram, por certo tempo, esse feito; outros, ainda em vida, viram suas idéias esfaceladas. Mas, na verdade, ninguém conseguiu pleno êxito nesse quesito. Não obstante, evocar esse atributo como pretexto de "religião verdadeira" é uma arma amplamente utilizada pelos adeptos de seitas, principalmente contra o cristianismo, acusando-o de ser a religião mais fragmentada da história, de ter divergências doutrinárias, enfim, de ser uma falsa religião.

Todavia, o tempo tem sido o melhor apologista em favor da verdade. Tais seitas, ao que parece, não conhecem nem mesmo sua própria história e situação atual, encobrem suas facções e, com o dedo em riste, insistem em sua acusação. As Testemunhas de Jeová, por exemplo, publicaram em sua revista oficial: "… os genuínos cristãos são agora ajuntados em toda a terra numa fraternidade unida. Quem são eles? São os da congregação cristã das Testemunhas de Jeová…"1 Mas o que podemos conhecer pela história é algo totalmente diferente. Encontraremos uma seita dividida e com profundos problemas de identidade e de inaceitáveis contradições doutrinárias.2

Essa agressiva estratégia também é utilizada por muitas outras seitas, e o espiritismo não é diferente. Em sua obra O livro dos espíritos, Allan Kardec, em suas palavras finais, reproduz as palavras dos espíritos referindo-se ao espiritismo: "… Nuvem alguma obscurece a luz verdadeiramente pura; o diamante sem jaça é o que tem mais valor: Se é certo que, entre os adeptos do espiritismo, se contam os que divergem de opinião sobre alguns pontos da teoria, menos certo não é que todos estão de acordo quanto aos pontos fundamentais. Há, portanto, unidade…" E mais. Afirma que, segundo as palavras que ouviu do espírito de Agostinho3: "espiritismo é o laço que um dia os unirá, porque lhes mostrará onde está a verdade, onde o erro…".

Mas bem diferente do que afirma Kardec, e do que gostariam os espíritas, o espiritismo é, na verdade, uma grande colcha de retalhos. Ou melhor, nas palavras do estudioso espírita Mauro Quintella: "Como toda corporação, o movimento espírita brasileiro não é uma rocha monolítica, do ponto de vista filosófico".4

Hoje, é fato conhecido por todos os estudiosos de religiões que no espiritismo não existe a tal sonhada unidade predita por Kardec. Os espíritas latinos são os mais fracionados e alguns grupos, como os ingleses, por exemplo5, chegam a negar doutrinas consideradas fundamentais por Allan Kardec, como, por exemplo, a reencarnação.

A seguir, os diferentes grupos espíritas e seus ensinos contraditórios.

Escolas espíritas

1. Ortodoxos - É o kardecismo considerado tradicional, que não permite interpretações do "Pentateuco"6 de Allan Kardec diferente de como julgam ser o correto. Não tolera a presença de outros espiritismos, considera-os grupos espiritualistas, apenas.

2. Roustainguistas - São orientados pelos escritos de João Batista Roustaing, um advogado contemporâneo de Kardec. Diferentemente dos demais, ensinam que o corpo de Jesus não era real, apenas aparente. Existe forte oposição entre ambos os grupos, inclusive na literatura há obras aceitas e rejeitadas.

3. Científicos - Também chamados de Laicos. No século 19, foram liderados pelo professor Angeli Torteroli. Formavam uma frente de oposição aos chamados Místicos. Entre outras coisas, procuravam desassociar o espiritismo do cristianismo.

4. Místicos - Liderados por Bezerra de Menezes, um dos primeiros presidentes da FEB - Federação Espírita Brasileira - e considerado por muitos o Kardec brasileiro, supervalorizam o lado religioso da Doutrina Espírita. Consideram-se os cristãos verdadeiros.

5. Ubaldistas - Grupo influenciado pelos livros do famoso médium italiano Pietro Ubaldi. Chamado de "reencarnação de São Pedro", Ubaldi morou vários anos no Brasil. Apesar de reencarnacionista, era panteísta, e propôs nas suas obras uma evolução cósmica do kardecismo.

6. Armondistas - Grupo liderado por Edgar Armond, fundador da Aliança Espírita Evangélica. Armond também é um importante colaborador para o desenvolvimento do espiritismo no Brasil. Por ter sido esotérico, é acusado pelos ortodoxos de orientalizar Kardec.

7. Emmanuelistas - Grupo conduzido pelos ensinamentos de Emmanuel, o espírito guia de Chico Xavier. Entre outras contradições com o kardecismo tradicional, crêem na existência de animais no plano de vida espiritual.

8. Ramatisistas - A escola ramanista segue os ensinamentos do espírito guia Ramatis, por meio do médium Hercílio Maes. Pregam que Jesus é, na verdade, um anjo que serve de médium ao Cristo Planetário. São vegetarianos e também esotéricos.

9. Paganizantes - Sob a liderança de Carlos Imbassahy, rejeitam a expressão "espiritismo cristão" e negam qualquer fundamentação bíblica do espiritismo. É de Imbassahy a seguinte afirmação: "Nem a Bíblia prova coisa nenhuma nem temos a Bíblia como probante […] O espiritismo não é um ramo do cristianismo como as demais seitas cristãs. Mas a nossa base é o ensino dos espíritos, daí o nome espiritismo".

10. Dialéticos - É a escola espírita dialética, cujo mestre latino foi o argentino Manuel S. Porteiro. Entre outras particularidades, a doutrina porteriana busca provar a evolução biológica e espiritual até o homem.

11. Transcomunicadores - Grupo que forma a ANT - Associação Nacional de Transcomunicadores, ou, como se auto-intitulam, "comunicastes". Diferentes da prática mediúnica, esses neo-espíritas buscam a comunicação com os mortos por meio de equipamentos eletrônicos.

12. Espiritualistas - São os espíritas que crêem não existir no homem apenas matéria, o que absolutamente não implica na necessidade de crerem nas manifestações dos espíritos. Há grande confusão no uso desse adjetivo entre os espíritas.

13. Outras correntes e tendências - conforme os "líderes" ou "espíritos guias" (como, por exemplo, Yokanam, tia Neiva, André Luiz, entre outros), várias peculiaridades doutrinárias vão-se formando, criando uma identidade própria. Por isso existem infinidades de "denominações" espíritas no mundo.

Movimento de reforma

1. Grupo Espírita Bezerra de Menezes - Criado em 1992, tem como objetivo, declarado no site que disponibiliza na internet: www.novavoz.org.br, uma ferrenha manifestação contra as FEB's e todos os demais grupos espíritas anteriormente mencionados: acusando-os de sincretismo, brigas internas, disputas doutrinárias, etc. O objetivo das instituições espíritas associadas é a formação da União Espírita Reformista em oposição à FEB - Federação Espírita Brasileiro: O objetivo é deixar o movimento espírita e formar uma nova seita denominada Renovação Cristã.

Grupos neo-espíritas

2. Umbandistas7 - É o espiritismo à moda brasileira. Origem: mistura de crenças espiritualistas dos escravos bantos (África), dos indígenas brasileiros e do catolicismo romano. Tudo isso encontrou no Brasil um terreno já fertilizado pelo espiritismo kardecista. Os umbandistas também fazem uso da mediunidade, crêem na reencarnação, praticam a caridade, e outras similaridades.

3. Legionários (A Legião da Boa Vontade) - O nome completo do fundador é Alziro Elias Davi Abraão Zarur, considerado por eles a reencarnação de Allan Kardec. Para a LB V, Allan Kardec não concluiu sua obra e, por isso, Alziro Zarur veio completá-la.

4. Racionalistas (Racionalismo Cristão) - Seita espírita fundada em 1910 pelo português Luiz de Matos, inimigo do kardecismo. Acusam o espiritismo de ter-se tornado mais uma seita cristã entre tantas, e propõem um espiritismo regido apenas pelas leis naturais.

5. Outros grupos espíritas esotéricos e/ou sincretistas8 - Ordem Rosa-cruz, Cabala, Teosofia, Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento, A Esfera, Ordem dos Iluminados, Ordem Esotérica do Mentalismo, Gnosticismo, Logosofia, Cultura Racional Superior, Quimbanda, Candomblé, Xangô, Babaçuê, Pajelança, Catimbó, etc.

Dessa forma, fica demonstrado inequivocamente que pelo menos por essa argumentação os espíritas não podem se defender. Ou melhor dizendo, não podem afirmar que são a verdadeira religião devido à sua unidade. Como vimos, entre os espíritas, não há unidade de grupos nem de doutrinas, assim como não há nas demais seitas e religiões não-cristãs.

DESAFIO EVANGELÍSTICO

Este ano se comemora o bicentenário do nascimento de Allan Kardec. E, passados esses dois séculos, tem-se percebido que, em muitos países europeus, o espiritismo tem diminuído de forma significativa. Na França, por exemplo, quase não existem mais. Inclusive, em 1985, foi fundada a União Espírita Francesa, justamente para reimplantar o espiritismo naquele país e em outros de língua francesa.

Embora o espiritismo tenha fracassado na França, no Brasil, porém, essa doutrina encontrou condições ideais para seu crescimento. Segundo consta, somos a maior nação espírita do mundo. Pesquisa realizada pelo Vox Populi constatou que 59% da população brasileira acredita que já teve outras vidas. Mas isso é um tremendo contrasenso, porque somente 3% dos brasileiros se declararam espíritas. O que significa que pelo menos um dos princípios espíritas, a reencarnação, encontrou um ambiente propício para seu desenvolvimento em nosso país.

Oremos pelos espíritas! (1Tm 4.12).

NOTAS

1 A Sentinela, 01 de julho de 1994
2 Em Defesa da Fé edição de agosto de 2003, publicamos uma extensa reportagem sobre essas facções russelitas.
3 Maior teólogo cristão depois do apóstolo Paulo. Era natural de Numíbia, África. (Séc. III)
4 Extraído do artigo "O Problema dos Adjetivos: Quando Jamais Usar" publicado originalmente no jornal Correio Fraterno do ABC 1994.
5 No V Congresso Internacional de Barcelona (1934), depois de grandes discussões, ficou estabelecido que: "os espíritas latinos e hindus representados pelos delegados da Bélgica, Brasil, Cuba, Espanha, França, Índia, México, Portugal, Porto Rico, Argentina, Colômbia, Suíça e Venezuela, afirmam a reencarnação como lei de vida progressiva, segundo a frase de Allan Kardec: 'Nascer, morrer, renascer e progredir sempre' e aceitam como uma verdade de facto. Os espíritas não latinos, representados no Congresso pelos delegados da Inglaterra, Irlanda, Holanda e África do Sul, consideram não haver demonstração suficiente para estabelecer a doutrina da reencarnação formulada por Kardec. Cada escola portanto, fica em liberdade para proclamar as suas convicções a respeito de reencarnação".
6 Alusão aos cinco livros básicos de Allan Kardec: Livro dos Espíritos; Livro dos Médiuns; O Evangelho Segundo o Espiritismo; O Céu e o Inferno e A Gênese.
7 Muitos espíritas kardecistas não consideram esses grupos como espíritas. No entanto, a FEB Federação Espírita Brasileira, que é kardecista, em nota oficial no "Reformador" (órgão oficial da entidade), de julho de 1953, pág. 149 declarou: "Baseados em Kardec, é-nos lícito dizer: todo aquele que crê nas manifestações dos Espíritos é espírita; ora, o umbandista nelas crê, logo, o umbandista é espírita".
8 Muitos desses grupos são historicamente mais antigos que o kardecismo, mesmo assim, já sustentavam doutrinas hoje espíritas. Outros, mais recentes, foram fortemente influenciados pelos pensamentos de Allan Kardec, inclusive, alguns foram grupos espíritas na sua origem, mas, com o tempo tornaram-se autônomos e distintos apresentando similaridades e diferenças em seu corpo doutrinário.

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